por Augusto Pereira
Sexta-feira, 06 de Abril de 2012
É Páscoa... Cristo renasceu, mas não tem jeito: você continua gay. E a família (mesmo aquelas que não vão à igreja há anos, aquelas que há muito rezam esporadicamente o “Pai Nosso” e só sabem palavras suficientes do “Credo” para não passar por vexames públicos) se reúne e celebra a ressurreição daquele moço que morreu por todos nós. Essas ocasiões são bem complicadas para personagens emblemáticos do que não é normal no seio de uma família “cristã”.
O problema, via de regra, não permeia tão profundamente o fato de que esse Cristo bondoso, que morreu para nos salvar de todo o mal, vai nos queimar pra sempre no inferno por causa daquele beijinho no boy delícia. A questão não passa por aí, já que o mote principal do encontro é o bacalhau, não o dono da festa. A complexa dinâmica se concentra na relação interfamiliar e nesses encontros onde se torna difícil manter o equilíbrio hipócrita e esconder a sujeira debaixo do tapete de toda família.
Bom, acho que todos nós temos nossos motivos em comum. Salvo algumas famílias modernas, as reuniões de família são sempre marcadas pela presença muda de nossa "opção" sexual. O ovo de páscoa que você comprou pro seu “amigo”, ou até o ovo que você não comprou pra nenhuma namorada, seus irmão comentando das respectivas namoradas e eventualmente um cunhado que faz uma piada homofóbica e você, quieto, só olha para a cara de seu pai, que nessa hora parece possuir legendas: “É só o que me faltava! Um filho veado e um genro idiota“.
E a lista é tão extensa quanto sensíveis as observações. E como não pode faltar no encontro de família de um gay, alguma senhora desavisada precisa perguntar: “E a namorada?” É essa a hora emblemática quando a hipocrisia levanta da cadeira e desfila linda e glamourosa pela sala de jantar, enquanto todos os membros da família se esforçam para parecer que estavam ocupados demais com a espinha do bacalhau para entender a pergunta.
Por fim o encontro termina e a hipocrisia não vai embora, mas sai dos focos das luzes como protagonista. E acompanha como o sobrenome da família, como algo essencial ao vínculo fraternal. Não nos enganemos. A questão sexual é só um nódulo de hipocrisia que se faz necessária na união de pessoas tão diversas, mas incondicionalmente ligados por vínculos sanguíneos e amorosos. Caso não fosse a opção sexual, outras divergências seriam o alvo da hipocrisia necessária para transpor contrastes intransponíveis no cenário familiar.
Augusto Pereira é cronista convidado do MundoMais.