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Pioneira

Primeira diretora transexual de escola pública no Rio joga luz sobre diversidade em sala de aula.

por Redação MundoMais

Quarta-feira, 26 de Fevereiro de 2014

Na porta do Colégio Estadual Max Fleiuss, na Pavuna, o vigia noturno proíbe a entrada de uma adolescente de shortinho. Orientação da diretora da escola, Julia Dutra. Ela é a primeira transexual a exercer um cargo de direção na rede do Estado. Desde que assumiu sua nova identidade, há um ano, Julia impõe respeito para ser respeitada. Num país onde o preconceito ainda aparece, muitas vezes, sob a justificativa de que quem não é heterossexual é promíscuo, ela educa no sentido contrário:

Criamos uma cultura de usar roupas adequadas. Nada indecente para não exacerbar a sexualidade dos alunos, explica a diretora, que comanda dez turmas de ensino médio à noite.

Julia Dutra, primeira diretora tansexual de uma escola no Rio, assumiu a direção do Colegio Estadual Max Fleuiss na PavunaJulia Dutra, primeira diretora tansexual de uma escola no Rio, assumiu a direção do Colegio Estadual Max Fleuiss na Pavuna

Julia diz contar com o apoio da maioria dos estudantes e professores. Segundo ela, mesmo a equipe da direção, composta por 90% de evangélicos, não a discrimina. No entanto, duas funcionárias não quiseram falar sobre o assunto. A única que se dispôs foi a secretária Maria Helena Feliciano. Sem parentesco com o polêmico deputado federal de mesmo sobrenome, ela frequenta a Assembleia de Deus, mas não vê conflito entre sua escolha religiosa e a orientação sexual de Julia.

Não vai contra minha religião e não sou preconceituosa. Todos somos iguais perante Deus e a lei , pondera Maria Helena. No início, causou um certo impacto a mudança, mas as virtudes da Julia superam isso. Ele é uma pessoa muito positiva, que sabe dominar as situações.

A secretária não é a única a confundir os gêneros ao se referir a Julia. Professores e alunos ainda usam “ele” e “Julio”, nome original da diretora, para, na sequência, se corrigirem. Além de ser recente a transformação visível, Julia espera a alteração de seu nome nos documentos, o que deve acontecer este mês. Já a cirurgia de troca de sexo, aguardada há dois anos, deve ser realizada no Hospital Pedro Ernesto ainda em 2014.

Formada em Educação Artística pela UFRJ, ela também dava aulas de artes cênicas na rede estadual antes de assumir a direção da Max Fleuiss este ano, indicada pela ex-diretora, com concordância da comunidade escolar. Há oito anos no colégio, ela diz ter conquistado o respeito através de seu trabalho. Porém, admite que há um preconceito velado, mas sutil. Para ilustrar, conta a história do tio de uma aluna cadeirante, que lhe faltou com sutileza.

Ele veio buscar a sobrinha num dia em que a aula acabou mais cedo, reclamando que já era uma humilhação ela estar numa cadeira de rodas. Ele se recusou a conversar comigo, pois não respeitava um diretor que se vestia de mulher.

Desde pequena, Julia usava as roupas da mãe. Quando adolescente, teve vontade de tomar hormônios, mas se reprimiu por causa do pai. Ela reconhece a importância da figura paterna em sua formação profissional, apesar de não ter recebido o mesmo apoio ao decidir assumir a identidade feminina. A transformação aconteceu depois da morte dele:

Tenho a coisa da transexualidade desde criança. Mas meu pai era bem rígido e machista. Não permitia que eu me libertasse. Camuflei isso com medo de não ser aceita. Há uns quatro anos, venho me desconstruindo e reconstruindo gradualmente. Não sofro preconceito na escola nem na minha família. Sempre foi o desejo da minha mãe ter uma filha. Ela é mais aberta, diz Julia, que tem dois irmãos.

Acostumada a lidar com adolescentes e crianças (ela também dava aula de artes na rede municipal), Julia trabalha a diversidade em debates sobre o preconceito, na idade em que ele é mais latente. Sua postura serve de alento a jovens como João Ricardo Santos, de 19 anos. Homossexual assumido, ele é aluno do 2º ano do Max Fleuiss e diz que hoje se sente mais respeitado.

Mas nem sempre foi assim. Quando estudou do 5º ao 8º ano do ensino fundamental no mesmo espaço físico, onde funciona uma escola municipal, sofria constantemente com agressões morais e até físicas:

Jogavam desde piadinhas até pedras em mim. Dei graças a Deus quando saí. Ano passado, quando voltei para o ensino médio noturno, tive medo. Mas a Julia serviu como um escudo e me ajudou. Se falam alguma coisa desrespeitosa para mim, eu conto para ela.

Nos colégios particulares, o tema ainda parece ser tratado como um tabu. A reportagem tentou ouvir algumas escolas, mas o único que se dispôs a contar um caso de preconceito contra homossexuais foi Rui Alves, diretor da rede pH. Ele diz que, há dois anos, um aluno do ensino médio, assumidamente gay, estava sendo discriminado por três colegas evangélicos. A questão foi levada para as aulas de Vida e Atualidades, em que psicólogos trabalham valores morais, e resolvida com um bom desfecho.

Os alunos faziam piadinhas ofensivas com ele por uma questão religiosa. Na Aula de Atualidades, o problema foi debatido, os colegas escreveram uma carta pedindo desculpas a ele, e a turma passou a ter um relacionamento melhor, lembra Rui. Com essa última novela das 21h, que abordou a homossexualidade, resgatamos o tema para explorar os valores de que todos têm que ser tratados de forma igual.

Vice-presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Município do Rio de Janeiro (Sinepe), Victor Notrica afirma que não lembra de nenhum caso grave de preconceito contra homossexuais em escolas particulares:

Na forma de bullying, talvez. Aí entra como aquele aluno que usa óculos, que é gordinho ou baixinho. Não tenho conhecimento de uma situação grave em relação a isso em 58 anos de sala de aula. A escola particular tem psicólogo e orientador educacional que observam isso e dão o tratamento necessário. É tratado de uma forma a aceitar essa postura de alunos ou de professores, desde que não comprometa os objetivos básicos da escola, explica Notrica.

Transexual e diretora da Escola Estadual Chico Mendes, em São José dos Pinhais (PR), Laysa Machado diz que o preconceito é maior na rede privada de ensino. Ela foi demitida de um colégio particular em 1999, quando se assumiu e usou um vestido. Depois, só voltou a conseguir emprego, por concurso público, na rede estadual:

Tenho certeza de que a escola privada é mais excludente. Trabalhei por mais de três anos em uma que, além de privada era religiosa, e presenciei episódios de preconceito. Por mais que mandasse currículo, nunca fui chamada para uma entrevista. Raramente aceitam transexuais. Você conhece alguma que aceita? Eu não, diz Laysa, que escreveu a peça “Morada transitória” para trabalhar o tema com os alunos.

O texto teatral virou um documentário homônimo que será lançado em maio. Veja o trailer AQUI.

Da teoria à prática na aceitação do diferente

Coordenadora do bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Márcia Macedo diz que é preciso ter muito cuidado para trabalhar o tema na educação básica. Responsável pela graduação pioneira no país, que está formando sua primeira turma, ela destaca a importância de capacitar os professores. Desde 2005, o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim), da qual é pesquisadora, oferece cursos, como o de especialização em metodologia do ensino de gênero e diversidade.

As aulas começam com uma dimensão político-social e, depois, do cotidiano escolar. Usam vídeos para mostrar que não há uma relação automática entre identidade anatômica e orientação heterossexual. É preciso romper com essa lógica, pois o corpo biológico não leva necessariamente a uma identidade de gênero. Problematizamos as múltiplas possibilidades de expressão e rompemos com a visão estereotipada de que se nasceu fêmea, vai ter identidade feminina e vai gostar de homem, ela explica.

Dos 12 formandos da primeira turma do bacharelado da UFBA, cinco estagiam na secretaria de Educação da Bahia, pioneira ao permitir que alunos travestis e transexuais usem seus nomes sociais nas escolas estaduais. A resolução foi aprovada no fim de 2013, e determina que os colégios desenvolvam projetos de combate à homofobia.

Márcia recomenda o uso de filmes como “Não gosto dos meninos", uma versão brasileira para “It gets better", feita a partir de depoimentos de quem se confrontou, em algum momento, com a orientação sexual. A produção livre está disponível no YouTube:

A escola pode criar um espaço de discussão e reflexão para trabalhar a autoestima. É possível a realização de debates e sessões de filmes, como esse curta. Mas a escola sozinha não muda a cabeça de pessoas. É necessária a desconstrução de um conjunto de referências trazidas pela família, pela religião e pela mídia, que criminalizam e culpabilizam o sujeito.

Questionada se a orientação sexual de um professor pode influenciar alunos, sobretudo na infância, a especialista devolve a pergunta:

Como as crianças se descobrem homossexuais em famílias héteros? Essa representação já é prática do preconceito de que, em contato com pessoas com orientação sexual “indesejada”, haveria uma espécie de contaminação. Tenho uma filha de 9 anos, converso com ela sobre isso e me preparo para ela ser o que quiser.

05-03-2014 às 22:37 Tiagodoc
Parabéns, mundo mais pela matéria. Sensacional! Estes casos são ótimos exemplos que podemos inserir na sociedade e como mestres colocarmos estes assuntos em debate aberto com os alunos deixando a superficialidade de lado.
01-03-2014 às 14:45 PARA LECO E PAULO CÉSAR
O MESMO É SIM TRANSSEXUAL, QNDO AGE COMO MULHER INDEPENDENTE DO QUE VESTE/ NÃO PRECISA SER OPERADO NO 1º MOMENTO, É SÓ UM ACERTO CIRÚRGICO. O TRAVESTI DE FATO USA ROUPAS FEMININAS PARA PARECER UMA MULHER, E NÃO TEM VONTADE DE TROCA DE SEXO.
28-02-2014 às 19:09 Paulo César-Franca-SP
LECO FIQUEI COM A MESMA DUVIDA SUA,PARA MIM ESSA DIRETORA E TRAVESTI E NÃO TRANSSEXUAL,TRANSSEXUAL E AQUELA QUE FAZ MUNDANÇA DE SEXO DENTRO DAS NORMAS DOS CONTEXTO MÉDICO,ENFIM NÃO TENHO NADA COM ISSO COMO LI A ENTREVISTA TAMBÉM TIVE DUVIDAS,PARABÉNS PARA ELA COMO SOU DOCENTE TAMBÉM SEMPRE DEPARO COM ALGUNS PRECONCEITOS,COMO EU TRABALHO PARA CURSO TECNICOS E UM POUCO DIFERENTE...MAIS NÃO DEIXA DE TER ALGO,PARABÉNS MUNDOMAIS EM TRAZER ESSES TEMAS PARA NÓS... ABRAÇOS.
28-02-2014 às 16:10 EVSM-RJ
São relatos como esses que nos faz termos forças para continuar lutando....Parabéns....Mundo Mais por essa linda matéria.
27-02-2014 às 10:29 Dara Danonela P/ Não suporto...Ui!
¨o maior prazer do homem inteligente é bancar o idiota, diante do idiota que quer bancar o inteligente". Menos , querido. Humildade faz bem para todo mundo. Desdenhar de todo o conhecimento acumulado pela humanidade por um achismo é ser idiota. Busque auxílio terapêutico. O simples fato de não suportar pessoas normais, que estão levando suas vidas sem se importar com a sua mostra muitos conflitos internos. Seriam eles um espelho do que você esconde de si? Talvez seja uma trans tb.
27-02-2014 às 07:51 Carlos
Essa bicha Não Suporto... precisa de acompanhamento psicológico, arrumar um serviço, algo que a coloque no seu devido lugar. Só escreve asneiras, põe palavras na minha boca das quais eu não falei, e ignorante insiste em estar com a razão. Sou discreto, porém respeito os efeminados e sei que são eles que vão na linha de frente, na vanguarda dos direitos adquiridos.
27-02-2014 às 00:57 Franca
Uma simples palavra.Parabéns!
26-02-2014 às 18:03 amo negros diz...
ARRAZOU NEGONA,PARABENS VC É LINDA....MAS O QUE TE DESEJO MESMO É MUITO SUCESSO PROFICIONAL E PESSOAL...DEUS TE ABENÇOE....ESSA MATERIA MERECE DESTAQUE TBM NO FANTASTICO!!!
26-02-2014 às 17:48 Marciel Goiânia
Fantástica a reportagem! Parabéns MM e vários " salves" à diretora Júlia Dutra!
26-02-2014 às 17:24 Pedro RS
Parabéns MundoMais pela bela reportagem!