por Redação MundoMais
Quarta-feira, 13 de Abril de 2016
"Você acha que está me ofendendo me chamando de viado, me chamando de alguma coisa? Ofensa para mim é ser comparado a um de vocês". O vídeo do desabafo do universitário Lucas Chaves, de 21 anos, contra a manifestação de homofobia de alguns colegas de sala em um curso de Direito em Barbacena, no Campo das Vertentes, ganhou repercussão nas redes sociais nesta semana.
O jovem descobriu que era alvo de deboche em um grupo de WhatsApp de outros estudantes por ser homossexual. O perfil que publicou o vídeo destacou que o rapaz que aparece de costas na imagem não é um dos dois indicados por Lucas como os instigadores da chacota. O vídeo foi cedido pela responsável, que não quis ter a identidade divulgada.
A gravação foi feita durante uma aula do 7º período, na última quarta-feira (6), publicado em um perfil na madrugada de quinta-feira (7) e já superou 394 mil visualizações. Ela mostra parte do momento em que Lucas pediu a palavra, foi à frente da turma e, por cerca de um minuto, deixou claro que não ficaria calado sobre o que considerou como um caso de homofobia.
“Houve quem chamasse de bullying, há até alguns aspectos. No entanto, no meu ponto de vista, é um caso de homofobia. Eles usaram a minha orientação sexual para fazer piadas e insinuações de que quem conversar com um homossexual se torna um homossexual ou que isso te torna uma pessoa para ser zoada”, afirmou Lucas.
O diretor geral do Centro Educacional Aprendiz lamentou o ocorrido, e chamou atenção para a generalização do caso. Disse que, em conversa com a turma, não viu potencial homofóbico nos alunos. A Polícia Civil foi consultada pela reportagem, mas ainda não enviou retorno sobre o assunto.
“Não é possível ficar calado”
Na terça-feira (5), um colega contou a ele sobre as fotos e os comentários que circulavam em um grupo de estudantes da turma do sétimo período do curso de Direito. Segundo Lucas Chaves, em uma das fotos retirada do perfil dele em uma rede social, estava vestido de mulher, ao lado de amigos para uma festa a fantasia. A outra foto mostrava Lucas e outro colega conversando e tinha insinuações sobre ambos.
“As pessoas se surpreenderam por isso ocorrer em uma sala de aula, onde os alunos deveriam estar aprendendo a entender e defender o direito dos outros, não perdendo tempo com as minhas redes sociais. Você imagina que no ensino superior vai encontrar pessoas diferentes do ensino médio", analisou.
Segundo Lucas, como não foi a primeira vez que passou por esta situação, desta vez, decidiu agir por conta própria. "Não pretendia fazer o que fiz, não esperava chegar àquele ponto [se expôr na frente dos alunos]. Já havia procurado antes a coordenação e como não tive resposta deles, eu me expus e mostrei minha opinião. Não é possível ficar calado. Não temos que escutar este tipo de comentário e ficar em silêncio”, comentou.
Com a repercussão do vídeo, Lucas contou que houve uma reunião da coordenação da faculdade com a turma. Ele ressaltou que um grupo foi responsável pelo deboche, que tinha apoio de outros colegas e que já houve alguma mudança de comportamento.
“Um dos rapazes que instigou me pediu desculpas diretamente. Outro, que eu não esperava, também falou comigo. E lógico que tem aqueles que não gostam de mim e estão ignorando porque agora viram que não sou bobo e não ficarei quieto se mexerem comigo. Como disse no vídeo, ofensa para mim é ser comparado a eles”, afirmou.
Até agora, Lucas disse que não registrou boletim de ocorrência e espera que o vídeo seja o encerramento do caso. “A coordenação me pediu desculpas. Caso eu veja que não resolveu, vou tomar outras atitudes. Já foi um passo bem grande em relação ao que ocorria lá dentro. Outros alunos me falaram que passaram por situação semelhante e que acreditam que agora vai mudar”, ressaltou.
O estudante frequenta as aulas à noite e trabalha à tarde no escritório de advocacia do pai. A família o apoiou desde sempre, no entanto, ele sabe que o vídeo não vai mudar rapidamente uma postura presente na sociedade.
“Sofro com o preconceito diariamente na sociedade. Sempre vejo aqueles olhares e ouço os comentários de quem tem coragem de falar na minha cara. Na reunião da turma com a coordenação, houve reclamações sobre o medo da exposição causada pelo vídeo. Eu disse a eles que tenho medo de sair de casa todo dia e alguém querer me bater porque não me adequo aos padrões, não me visto e nem sou como as pessoas acham que deveria ser”, comentou.
Surpreendido com a repercussão do vídeo, Lucas postou agradecimentos em uma rede social e criou uma página apenas para interagir com quem se identificou. Segundo ele, está feliz porque, de uma situação ruim, surgiram consequências positivas não só para ele como para quem vive situação semelhante.
“Recebi muitas mensagens de apoio e também relatos de casos semelhantes de pessoas que tiveram coragem de se impor após verem o video. Sempre me posicionei nas redes sociais contra o preconceito. É uma honra poder ser voz e representar de alguma forma quem passa por isso", disse.
E o futuro advogado pretende transformar o episódio em incentivo para quando chegar ao mercado de trabalho.
"Quero um caminho na minha profissão para ajudar as pessoas que estão sendo menosprezadas e diminuídas - seja por gênero, cor, misoginia - a terem voz. Um dos meus profesores disse que cada um sabe quando é preconceituoso e que todo mundo já foi alvo de preconceito uma vez na vida. Por que infligir uma dor a alguém quando sabe como é triste ser menosprezado por ser quem você é? Espalhem o amor, não o preconceito”, concluiu.
Diretor do curso vê caso como isolado
O diretor geral do Centro Educacional Aprendiz, Rafael da Silva Nascimento, também conversou e disse que não vê um potencial homofóbico nos alunos da faculdade. “Eu estive na sala de aula, conversei com todos da turma e, pelo que eu percebi, lá não existem pessoas homofóbicas. São pessoas esclarecidas que, às vezes, falam sem pensar e acabam machucando”, disse.
Sobre eventuais relatos anteriores que o estudante teria feito à direção, Nascimento reconheceu um caso e disse que não se pode generalizar a situação. “Há uns dois anos, o Lucas relatou algo semelhante, mas foi um fato isolado. Na época, a própria coordenadora conversou com a pessoa que teria feito a ofensa e resolveu. Ele [Lucas] conseguiu atingir um objetivo, de pedir aos alunos que isso não aconteça mais. Foi bacana que o professor tenha dado abertura para ele falar o que pensava e o que o incomodava”, afirmou.
Por fim, o diretor se manifestou contrário a qualquer ato semelhante ao da última quarta e disse que a faculdade tem um papel importante perante a sociedade. “Repudiamos qualquer ato discriminatório, ainda mais em um ambiente formador de opinião e lamentamos muito o que aconteceu. Vamos sempre defender os interesses de todos, mesmo porque nós somos uma faculdade de Direito e temos que ter uma função social, não apenas educacional”, finalizou.