por Redação MundoMais
Segunda-feira, 24 de Fevereiro de 2014
A alegoria tem tudo para ser um dos maiores destaques dos desfiles da Marquês de Sapucaí neste ano. Alvo de muita especulação nos bastidores do carnaval carioca, o carro sobre a parada gay promete causar comoção na passagem da tradicional escola de samba Mangueira na passarela do samba. Nele, estarão 32 homens que vão entrar em armários com trajes masculinos. Saindo deles, logo depois, eles vão se tornar belas drag queens.
A responsável por essa ‘mágica’ é a carnavalesca Rosa Magalhães, que estreia na escola depois ser campeã no ano passado pela Vila Isabel. Ela vai comandar o enredo “A Festança Brasileira Cai no Samba da Mangueira”, que aborda as festas populares que acontecem em todo o Brasil. O carro da parada gay se encaixa no desfile como o principal evento festivo da cidade de São Paulo.
Embora reticente em revelar detalhes sobre o carro, Rosa conta à reportagem como concebeu a alegoria. “Fazendo a pesquisa sobre o tema, eu percebi que a expressão ‘sair do armário’ , que é muito engraçada e ninguém sabe de onde veio , é usada em muitas línguas. Surgiu então a ideia de brincar com essa expressão, de forma irônica”, revela a carnavalesca, lembrando ainda a intenção de celebrar os avanços que a comunidade LGBT alcançou recentemente.
“É uma maneira também de comemorar todas as conquistas que os gays conseguiram ultimamente, como o casamento, por exemplo” , explica Rosa, que além do carro alegórico, criou quatro alas representando a diversidade na avenida, com 100 componentes em cada uma delas.
Uma das alas será inclusive coreografada, celebrando justamente a aprovação do casamento civil gay. Na encenação, homens e mulheres estarão a princípio lado a lado. Depois, eles vão se separar para formar casais homoafetivos.
No setor LGBT da Mangueira também estarão personalidades importantes da comunidade gay, como o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). "Acho esse retorno que a escola está dando aos homossexuais algo lindo. Nada mais justo. Na verdade, podemos dizer que a abordagem deste tema está até mesmo vindo com certo atraso. A comunidade LGBT está presente nas escolas de samba desde a sua fundação”, avalia Jean.
Jean pode ter companheiros bem famosos no carro. A verde e rosa convidou para desfilar na alegoria o ator Mateus Solano, o Félix de “Amor à Vida”, e o cantor inglês Elton John, que está fazendo uma série de shows pelo Brasil. Nenhum dois confirmou se vai aceitar o convite.
Faltando poucos dias para o desfile, o ritmo de trabalho é frenético no barracão da Mangueira, na Cidade do Samba, na região central do Rio. Alguns funcionários revelam que estão até dormindo por lá, trabalhando do começo da manhã até o meio da madrugada. Mas sendo homossexuais, eles fazem esse sacrifício com a alegria de se verem representados no enredo de sua escola do coração.
Um exemplo desse humor inabalável é o aderecista Leonardo Ramos, 31. Chamado de Fininho pelos colegas, por conta dos seus 70 kg distribuídos em 1,85 m. “Eu quero aparecer no salto... Aqui tem muita bicha, eu trabalho com três. Lá no ateliê, é o que você mais vai encontrar”, brinca Ramos, ao ser abordado pela reportagem. "Vai ser uma afronta levar a diversidade para a avenida. A escola está dando a cara para bater e isso é muito bom. A Mangueira vem para ganhar, é uma das favoritas com certeza", profetiza.
O aderecista Andrew Gaspar, 23, ficou emocionado ao descobrir que a verde e rosa fará uma referência ao universo das drag queens. Ele atua há cinco anos em boates do Rio como a drag Delayla. “É muito significativo para mim. É uma grande barreira sendo quebrada. É muito importante que o carnaval retrate a nossa diversidade desta forma bonita que a Mangueira vai fazer. Antes de ser drag, eu sou um homem e o carro vai mostrar isso. Somos homens durante o dia para virarmos estrelas durante a noite”, filosofa Gaspar.
No ateliê, onde são confeccionadas as fantasias, a empolgação é a mesma do barracão. Mas mesmo demonstrando alegria, o funcionário Vinícius Ribeiro, 23, não deixa de ressaltar o impacto que o desfile pode ter no combate ao preconceito. Algo que ele sofreu na pele, ao ser agredido no ano passado. “Estava caminhando normalmente na rua com um amigo, indo ao cinema, quando quatro rapazes vieram em nossa direção e nos agrediram. Fiquei um bom tempo sem sair de casa, com medo, traumatizado”, relata Ribeiro.
Douglas Santos, 23, é outro operário do carnaval que acredita na importância política do desfile. “Para muita gente, o gay é considerado um doente, até cura gay já quiseram inventar. Esse desfile da Mangueira é mais uma forma de vencer o preconceito”, argumenta.
A proximidade do desfile deixa todos ansiosos, como não esconde o confesso mangueirense fanático Wilton Souza, 30. “É a segunda vez que desfilo. É uma emoção imensa, o coração quase sai pela boca. Esse ano tem um motivo especial, uma importância muito grande para a comunidade gay. Um passo importante para a quebra do preconceito. Seremos campeões, sem sombra de dúvida”, torce Souza.
O desfile que eles tanto aguardam está marcado para o primeiro dia do Grupo Especial do Rio, em 2 de março, um domingo. A previsão é que a Mangueira passe na Sapucaí por volta da 0h15.
Fonte: iGay