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Clássico marginal

Editado por Aguinaldo Silva, jornal gay Lampião da Esquina ganha filme.

por Redação MundoMais

Sexta-feira, 19 de Agosto de 2016

Após os acontecimentos da década de 60 por todo o mundo e com o aumento da conquista de direitos civis, políticos e também de uma maior participação na sociedade como um todo, surgiu nos Estados Unidos o jornal "Gay Sunshine", uma publicação voltada para o público homossexual da época. Em 1978, no Brasil, uma iniciativa similar foi criada: o jornal "O Lampião".

"Nos interessa destruir a imagem-padrão que se tem do homossexual, segundo a qual ele é um ser que vive nas sombras, que prefere a noite, que encara sua preferência sexual como uma espécie de maldição", defendia o editorial da primeira edição, publicada em março de 78.

O leitor acabou procurando a redação do "Lampião", chefiada pelo repórter policial Aguinaldo Silva, hoje famoso autor de novelas da Globo. Pediu ajuda aos jornalistas porque queria saber onde poderia se encontrar com homens.

"O Lampião é um jornal, não é uma brincadeira de bichinhas", esbraveja Aguinaldo durante entrevista no filme. As entrevistas trazem também depoimentos de João Silvério Trevisan, Glauco Mattoso, Laerte e Ney Matogrosso.

"A volta do esquadrão mata-bicha", "Repressão: essa ninguém transa", "Louca e muito da baratinada" e "Fortíssimo babado" eram algumas das manchetes publicadas no Lampião, que desfrutava libertinamente da língua portuguesa. A publicação não só celebrava a cultura homossexual, como também denunciava crimes de ódio contra gays, mulheres, negros e índios. "Há uma linguagem da subcultura gay. E é essa que vamos usar pra falar no jornal", relata no filme o escritor e cineasta João Silvério Trevisan, que compunha a equipe.

Dirigido pela cineasta Lívia Perez, o documentário traz 82 minutos de histórias que cercavam um dos nanicos (como eram conhecidos os jornais menores) mais polêmicos que já existiram no país. Não só por seu conteúdo, mas porque Lampião da Esquina era ousado, escandaloso – "lacrador", poderíamos dizer em pleno 2016. "Acredito que ele tenha pautado muito do que ainda estamos discutindo hoje", justifica a diretora. "Liberação sexual, movimento feminista, aborto, legalização das drogas, racismo e, sobretudo a possibilidade de uma mídia livre que traga perspectivas alternativas."

Cigarro entre os dedos, cotovelos na mesa e um entrevistado rodeado por jornalistas de bigode e camisa semiaberta. Esse era o tipo de entrevista que os repórteres do Lampião faziam – coisa absolutamente inexistente no jornalismo hoje em dia, sustentado por papos enxutos por telefone, WhatsApp e e-mail com as fontes.

As entrevistas do filme mostram o desenrolo manual da profissão na época, desde a dificuldade com gravadores enormes e a diagramação artesanal até o preconceito para conseguir distribuir o Lampião pelas bancas do Brasil.

Foi preciso muita bateção de pé para que distribuidoras e jornaleiros topassem comercializar aquela diminuta publicação com manchetes tão intrépidas. "Houve um momento em que um grupo paramilitar começou a soltar bomba em bancas [de jornal] e deixava panfletos dizendo: 'enquanto vocês venderem tais jornais, nós vamos atacar vocês'. E lá estava o nome do Lampião", relembra Trevisan no documentário.

Um dos entrevistados no longa, o cantor Edy Star relembra também que, obviamente, muita gente ficou incomodada. "Era muito atrevimento um jornal de viado contando casos de viado abertamente; dizendo o que estava acontecendo com as bichas, que matavam as bichas."

O filme de Lívia vai direto ao ponto: é o tipo de documentário-padrão, sem takes artísticos ou dramalhão. O importante está ali, na contação de história dos entrevistados que fizeram do Lampião o que ele se tornou. Para ilustrar esses causos, a arte do filme faz montagens divertidas com trechos do jornal. E a trilha sonora, assinada por Paulo Azeviche, relembra canções homoeróticas brasileiras, como "Androginismo", da dupla de irmãos Kleiton e Kledir, que nos anos 70 formavam a banda Almôndegas. "Quem é esse rapaz que tanto androginiza, que tanto me convida pra carnavalizar? Que tanto se requebra no céu de um salto alto, que usa anéis e plumas a lantejoulizar?", diz a letra – mais que propícia.

"Viado gosta de apanhar? Uma viagem ao mundo dos sadomasoquistas." Foi com essa manchete que o Lampião encerrou, definitivamente, seu expediente em junho de 1981. Dos males o menor: agora, além de todas as edições devidamente digitalizadas e disponibilizadas online, temos um documentário para registrar a existência desse clássico marginal do jornalismo brasileiro.

Serviço:

CineSesc

18/08 a 23/08

Segunda, terça, quinta, sexta, sábado e domingo - 17h30 e 21h30

19-08-2016 às 14:15 paulistano
Anos 60 e 70, ascensão da homossexualidade, várias boates, cinemas pornográficos de pegação, até teatros com sexo ao vivo. São Paulo vivia a libertinagem gay, a euforia homossexual, carros e mais carros estacionavam na avenida Ipiranga a procura de gays jovens, de michês, para sexo casual, sexo pago, etc. Veio o jornal ousado gay, O Lampião, mas chegou a década de 80, o início da epidemia da "peste- gay"; o jornal se desmantelou, as boates se esvaziaram, o frenesi noturno à procura de sexo silenciou- se, o drama, o aumento de morte ao gays, a discrição, o pânico na comunidade e na sociedade em geral. Evitavam contratar homossexuais nas empresas com medo do contágio com a peste, muitos outros foram demitidos. Nada melhor do que revivermos àquela época com esse longa, onde ser gay, mesmo com a ditadura, era permissivo!