por Redação MundoMais
Quinta-feira, 20 de Abril de 2017
As Nações Unidas lembram em 21 de março o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, data em que a Organização emite um apelo global contra o preconceito. Em 2015, a ONU declarou a Década Internacional de Afrodescendentes, período ao longo do qual Estados-membros são convidados a fortalecer a luta pelo fim do racismo e a valorizar as contribuições da população negra.
“Todos nós que fazemos parte dessas minorias já morremos várias vezes num processo chamado vida”. Negro e gay, o rapper Rico Dalasam nasceu no Taboão da Serra, periferia de São Paulo. Cresceu vendo episódios de discriminação e ouvindo em casa que seria vítima de preconceito por conta da cor da pele. Mas não recuou e encontrou na música uma forma de afrontar a invisibilidade, o silenciamento e a exclusão.
Para o artista, que lançou o primeiro single “Aceite-C” no final de 2014 e o EP “Modo Diverso” no início de 2015, o rap está a serviço da “construção de um imaginário que é necessário se tornar visível para a sociedade, reduzindo e tentando erradicar tudo que torna inviável a nossa existência negra, pobre, bicha, periférica”.
O propósito por trás da sua arte é disfarçadamente sugerido pelo nome que ele escolheu para subir aos palcos — Dalasam é o acrônimo da frase “disponho armas libertárias a sonhos antes mutilados”.
Com hits que reúnem influências do axé, da música black e também do hip hop e pop norte-americanos, Rico mistura português, inglês e francês para celebrar o empoderamento de quem veio da margem “com muito orgulho”.
O sucesso das primeiras composições lhe rendeu o reconhecimento do público, da crítica, de colegas como Criolo, Gilberto Gil e Daniela Mercury. Em 2015, fez turnê internacional por Estados Unidos, Inglaterra e Venezuela. No ano seguinte, lançou o primeiro álbum, “Orgunga”, outra sigla, desta vez para indicar o orgulho que sente em ser negro e gay.
Nem sempre, porém, o jovem, hoje com 27 anos, teve tanta confiança. Sua iniciação na música foi cheia de receios. Rico conta que se descobriu MC em 2006, ao participar de uma edição da Batalha do Santa Cruz. Para entrar na cena cultural, não abriu mão das aspirações e desafios vividos não apenas como negro, mas também como homossexual.
“Eu já entrei com a certeza de que eu não seria bem-vindo, de que seria tratado como uma piada. Só que para mim, sempre foi muito claro o poder que o hip-hop tem de transformar narrativas”, mesmo as histórias que o próprio rap estava acostumado a contar, lembra Rico.
Para ele, “o gay, a lésbica, o corpo trans da periferia ainda recebem uma outra colocação, que é a margem da margem”. “Só que somos pretos, em sua maioria, e isso é uma grande identificação que não dá para transpor, não dá para negar, isso é ancestralidade.” Com o rap, Rico encontrou “palavras de afronta” para lidar com a insatisfação gerada pela exclusão.
Receber o estranhamento dos outros não era novidade para o músico quando ele começou a se apresentar. Mas por “rebeldia” e “petulância”, como gosta de descrever, ele nunca deixou de frequentar os locais onde lhe diziam que não seria bem acolhido. “Esse negócio de não pertencer a lugar nenhum faz você entrar, ser presente, ser ativo, ser vivo e se deslocar sem ter uma raiz naquele lugar”, afirma.
O rapper é otimista quanto ao futuro e lembra de artistas como Beyonce e a ganhadora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, Viola Davis, exemplos do protagonismo negro na cultura. Há “uma geração de negros que existem com essa missão de trazer de volta orgulho, representatividade, poder e imaginário e eu, de um jeito tão singelo ainda, eu me orgulho muito de ser uma dessas pessoas no país em que eu vivo”, conclui sem perder a modéstia.