por Redação MundoMais
Segunda-feira, 30 de Abril de 2018
O iraquiano Musa Al-Shadeedi, 26 anos, é um sobrevivente. Em 2012, escapou de uma campanha de assassinatos promovida por milícias religiosas contra homens cujas práticas sexuais e performances de gênero não eram consideradas “normativas”. Homossexual assumido, o morador de Bagdá tentou se engajar no ativismo e se viu forçado a abandonar o país. Em Beirute, o libanês Elie Ballan, 32, levou tempo para aceitar quem ele era. Aos 16 anos, tinha sobrepeso e era visto como “extravagante”. Hoje, precisa esconder os sentimentos em público. O jordaniano Khalid Abdel-Hadi, 28, enfrentou bullying na internet, foi alvo de retórica do ódio e sofreu tentativas de desacreditarem sua cultura e sua religião.
Integrar a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) em países do Oriente Médio e do Norte da África é estar sujeito ao preconceito, à possibilidade de prisão e ao risco de ser executado. Em algumas nações, a homossexualidade é associada à devassidão e considerada transgressão às leis (veja arte). Para desafiar o estigma social e a repressão, 18 ativistas e artistas de 10 países — incluindo Musa, Elie e Khalid — emprestaram rostos e vozes a vídeos, a fim de incentivar os homossexuais a se defenderem. O projeto No Longer Alone (“Sozinho nunca mais”) é uma iniciativa da Human Rights Watch (HRW) e da Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade (AFE).
“Quase todas as nações do Oriente Médio e do Norte da África criminalizam a atividade homossexual consensual, e algumas usam leis vagas, que proíbem a ‘depravação’ e a ‘indecência’. Em várias delas, detenções são comuns. O Egito provavelmente é o pior infrator em termos de perseguição policial ativa contra LGBTs”, afirmou Neela Ghoshal, pesquisadora sobre direitos dos LGBTs da HRW. Segundo ela, Omã, Emirados Árabes Unidos e Kuwait prendem transexuais por expressarem sua identidade de gênero. “A AFE, nossa parceira no projeto No Longer Alone, construiu uma rede de organizações LGBTs e de indivíduos em países da região comprometidos com a mudança social. Esses ativistas se apoiam uns nos outros e partilham informações sobre a campanha em suas nações.”
Ghoshal explica que jovens homossexuais de países árabes e islâmicos se sentem isolados. Muitos nem sequer sabem que existem pessoas como elas. “Nos vídeos que filmamos, os ativistas permitem que os LGBTs entendam que não estão sozinhos, nem são ‘doentes’, e que têm direitos humanos, como todos os seres humanos. As mensagens buscam empoderar essas pessoas e conectá-las a comunidades capazes de apoiá-las”, disse. A expectativa, de acordo com a pesquisadora da HRW, é que moradores da região, principalmente heterossexuais ignorantes em relação aos temas LGBT, assistam aos vídeos e experimentem algum grau de empatia, ao reconhecer que esses indivíduos são merecedores de respeito e de dignidade.
Diretor de comunicações e de advocacia da HRW para o Oriente Médio e o Norte da África, Ahmed Benchemsi, sublinha que algumas leis explicitamente proíbem relações íntimas entre pessoas de mesmo sexo, enquanto outras se referem à homossexualidade como “antinatural”. As restrições à liberdade de associação tornam impossível o registro legal de organizações envolvidas em temas de orientação sexual e identidade de gênero. “O estigma social severo força muitas pessoas a esconderem suas identidades, tornando o ativismo ainda mais difícil. Agora, esses indivíduos estão contando suas histórias, construindo alianças e redes transfronteiriças, desenvolvendo movimentos nacionais e regionais, e encontrando meios criativos de combater a discriminação.”
Elie Ballan, diretor da ONG M-Coalition no Oriente Médio e no Norte da África, conta que a região testemunha crescente conservadorismo. “A política está entrelaçada à religião, e o status social é medido pelo conservadorismo religioso. A isso se acrescenta um sistema patriarcal obcecado com a masculinidade, onde ter pênis é poder, e o conceito de honra está ligado à virgindade da mulher. Assumir o papel da mulher — ser passivo no sexo — é vergonhoso e traz desonra”, disse à reportagem. Por sua vez, Khalid Abdel-Hadi, fundador e diretor criativo da revista My.Kali, em Amã, critica a mídia regional por não humanizar nem personalizar as histórias dos LGBTs. “A mídia reporta ‘histórias escandalosas’, além de publicar reportagens negativas, que se refletem horrivelmente sobre a comunidade LGBT”, lamenta. Ele crê que tais percepções podem mudar por meio da visibilidade e da educação. “É isso que a nossa campanha faz: humaniza e oferece visibilidade.”
Apesar da repressão patrocinada pelos governos, do estigma social e da opressão religiosa, membros da comunidade de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (LGBT) no Oriente Médio e no Norte da África decidiram quebrar o silêncio. Por meio de vídeos filmados em árabe pela Human Rights Watch (HRW) e pela Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade (AFE), eles contaram suas histórias e ofereceram mensagens de apoio e de coragem a homossexuais que vivem na região.