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Mentira

Chego tarde em casa. Sem problema, ele não percebeu nada. Posso ficar tranquilo, afinal pensei em cada detalhe. Até o momento em que descobri que havia cometido um erro. O que fazer? Mentir?

por Leonhard Thoma

Quarta-feira, 14 de Novembro de 2018

Olhei o relógio. Quase sete. Eu ia chegar em casa mais tarde que o normal. Ele iria olhar pra mim com aquela enorme interrogação no rosto e perguntar: “Onde você estava? Ia te ligar, mas desisti quando vi que você esqueceu o telefone em cima da mesa da cozinha.”

Eu tinha que ligar imediatamente e inventar uma desculpa. Entrei no primeiro bar que encontrei e fui logo perguntando pro barman se ele tinha um telefone que eu pudesse usar. O barman estranhou a pergunta, mas colocou um celular sobre o balcão.

Hesitei um momento. Pro celular dele? Tanto faz, mas melhor o fixo. O que dizer? Compras? Mas a essa hora da noite? Academia? Mas sem ter levado a mochila e roupa de treino?

Enquanto o telefone chamava eu pensava... o que dizer? O que eu poderia... Mas ele não atendeu. Talvez tivesse ido pra academia ou passado na Vera, a vizinha de cima. Melhor assim, bem melhor, pensei aliviado. De repente caiu na secretária eletrônica, a minha própria voz sorridente dizendo: “Olá, não estamos em casa, deixe seu recado.”

“Oi, amor, sou eu,” – me ouvi dizendo – “eu... eu tô aqui num bar, tá? Com o Léo. Ele vai fazer uma viagem pra fora amanhã, então eu tô aqui com ele batendo um papo, tá? Eu vou dar uma carona até a casa dele e em seguida vou pra casa. Até daqui a pouco.” Droga de secretárias! A gente cai de repente nelas, tem que falar alguma coisa e cada palavra é armazenada sem volta, sem chance de corrigir ou apagar. Devolvi o telefone e continuei no balcão olhando para o vazio.

Léo. Léo. Talvez não tenha sido tão ruim. Um amigo nosso em comum, mais meu do que dele. Um que ele certamente não iria ligar pra questionar ou coisa do tipo. De qualquer modo, era verdade que na manhã seguinte o Léo iria viajar, pensei comigo mesmo, como que para me convencer de que tinha feito a escolha certa. Ele é agente de uma empresa de modelos, então é normal que esteja sempre viajando. A história era mesmo muito boa. Aliviado, desabei num dos banquinhos do balcão. O garçom sorridente colocou uma cerveja na minha frente dizendo: “O telefonema é por conta da casa, mas a cerveja não”. Eu sorri e até que achei uma boa idéia.

Cheguei em casa quase uma hora depois e estava tudo escuro. Melhor assim. Chegar em casa primeiro foi realmente uma sorte. Fui até a cozinha, abri a geladeira, peguei uma latinha de cerveja e sem acender nenhuma luz fui até a sala. Sentei-me no sofá e fiquei no escuro observando através da varanda as luzes da cidade. O pôr-do-sol já tinha passado, mas o céu estava com aquele belíssimo tom avermelhado.

Neste instante, ouvi um barulho de chave na porta. Lentamente, muito lentamente, me virei. Por cima do ombro eu o vi entrar. Ele tirou a jaqueta, olhou-se brevemente no espelho do corredor e ajeitou o cabelo com uma mão.

“Aí está você!”, eu disse alegremente.

Ele se virou assustado na direção do sofá: “Meu Deus, você me assustou! Por que você está aí sentado no escuro?”

“Eu acabei de chegar em casa!” – procurei ater-me à verdade, isso fazia me sentir mais seguro. “Aí peguei uma cerveja e sentei aqui no sofá. Aliás, olha só lá fora!”

Ele veio até o sofá, curvou-se sobre mim e deu-me um beijo na testa.

Apontei para a varanda: “Olha só que pôr-do-sol incrível que fez hoje!”

Ele tirou os sapatos e deixou-se cair no sofá ao meu lado. “Uma cervejinha, amor?” – perguntei segurando a minha cerveja de modo a encorajá-lo.

“Sim, quero”.

Levantei-me, fui até a cozinha e perguntei: “Tá com fome?”

“Não, na verdade não. Primeiro quero tomar uma cerveja.”

“Ótimo”, respondi e trouxe a latinha pra ele no sofá. “Eu também não. Podemos pedir uma pizza depois”.

“OK, vamos só descansar e relaxar então. Depois eu desço e pego uma pizza pra nós”.

“Pode deixar que eu pego a pizza. Só não agora, ainda não estou com fome.”

“Perfeito”.

Olhei rapidamente bem nos olhos dele, procurando algum sinal. Nenhuma reprovação. Nenhuma suspeita. Nada. Eu não precisava me preocupar.

“Como foi seu dia, amor?” – ouvi-me perguntando.

“Ótimo” – respondeu ele. “Do escritório eu fui até o centro.”

“Centro? O que você foi fazer lá?”

“Ah sim”, ele fez um certo mistério. “Logo você faz aniversário, não é?”

“Ah, sim, claro” – eu sorri sem jeito. “Espero que você não tenha se preocupado em comprar nada”.

“Não, sem problema. Depois eu ainda fui tomar uma cerveja”.

“Com o Beto, né? Vocês dois vão pro boxe amanhã de manhã.”

“Não, não. Não com o Beto.” – e acrescentou: “O Beto aliás anda faltando no boxe.”

Silêncio. Silêncio absoluto.

“Hmm... Então com quem você foi tomar cerveja?” – perguntei retomando o assunto. Ele ficou parado olhando pra mim, como se não tivesse entendido a pergunta, então disse:

“Ah sim. Com o Léo. Eu tava com o Léo no Bar Brahma.”

“Com o Léo?”

“Sim, eu liguei pra ele. Por causa dos presentes. Eu precisava de alguém que te conhecesse bem o suficiente pra escolher um presente. Você sabe que eu não sei comprar presentes, sozinho fico totalmente perdido.”

A mensagem! Caramba, a merda da mensagem!

“O Léo viaja amanhã de manhã, mas tinha ainda um pouco de tempo pra gente conversar. Ele me deu ótimas dicas! Ele realmente te conhece! Devo confessar que melhor que eu! Você se espantaria.”

A mensagem. A porra da mensagem! Eu queria tomar um gole da cerveja, mas não sabia o que fazer, coloquei a latinha de volta na mesinha de centro.

“O que houve? Por que essa cara? Você não tem nada contra eu sair com o Léo pra tomar uma cerveja e falar sobre seu presente, certo?” – ele sorri. “Ei, você não está com ciúmes, está?”

“Não!” – disse eu lentamente – “claro que não!”

“Então tá” – disse ele, terminou a cerveja, colocou a latinha vazia também na mesinha de centro, levantou-se e foi até o interruptor.

“Não!” – falei pra ele. “Por favor, não!” – falei isso inconscientemente, eu não queria que ele notasse a expressão no meu rosto.

“Como queira”, respondeu ele e apagou a luz novamente. Foi quando notei a luz da secretária eletrônica que piscava com nova mensagem bem ao lado de onde ele estava. Eu quis levantar rapidamente, desviar sua atenção para que ele não percebesse, mas foi tarde demais.

“Você já ouviu as mensagens?”

Eu virei na direção da varanda. Já havia anoitecido. Fechei os olhos e apertei a boca.

“Não, não peguei. Mas acho que não é nada...”

Ele se inclinou para a secretária e disse: “Estou vendo aqui que tem duas mensagens.”

“Não deve ser nada importante” – disse eu rapidamente, “não deve ser nada”.

“Vamos ver o que é” – disse ele e apertou o botão. Eu fechei os dois punhos, a tensão crescendo dentro do peito.

“Você tem duas mensagens” – ouviu-se a secretária eletrônica pronunciar naquela voz inexpressiva. “Mensagem número um, recebida hoje às 18 horas e 52 minutos”. Pip!

“Oi, amor, sou eu...” – e a mensagem inteira se desenrolou.

Esperei, mas tudo ficou em silêncio. Esperei ouvir passos na minha direção, esperei ouvir um grito, latinhas de cerveja vazias sendo atiradas na minha direção. Mas não ouvi nada. Ele estava bem ali atrás de mim, em algum lugar, parado, e nós dois segurando a respiração. Eu não ousei me virar. Eu queria na verdade era saltar para a escuridão da noite, por sobre o parapeito da varanda.

Pip, pip, pip! E então: “Mensagem número dois”, disse a voz eletrônica da secretária. “Recebida hoje às 19 horas e 17 minutos”. Pip!

“Oi, amores! Aqui é o Léo. Hoje é segunda-feira, um pouco depois das sete. Não consegui ligar pra vocês antes, eu queria pelo menos ter me despedido, mas viajo amanhã muito cedo. Eu entro em contato quando voltar pra contar as novidades, ok? Daqui duas semanas. Até lá, beijos!”

Este conto é uma adaptação do conto alemão Lügen, de Leonhard Thoma.

18-05-2021 às 12:08 Paulo
KKKKKKKKKKKKKKKKKK AI AGORA FUDEU TUDO KKAKAKAKAKAKAKAKAKKAKAKA
21-10-2019 às 15:44 Augusto
Gostaria de saber o que aconteceu depois....rsrsrrsr
28-09-2019 às 01:31
Gosto de ser passivo, Zap (11) 997609762
28-09-2019 às 01:30
Adoro uma foda gostosa.
25-08-2019 às 07:53 Léo
Ah!Tá.
25-08-2019 às 07:53 Léo
Ah!Tá.
21-04-2019 às 09:05 Bosco
Isso é que da a tal da fidelidade obligatoria,castrativa entre dois homens que vivem juntos.Os homens sao galinhas entao tem conversar para evitar estas armadilhas
26-03-2019 às 12:34 robson
eu nunca consegui pedir pizza de madrugada
26-03-2019 às 12:32 roberto
ninguem
05-03-2019 às 17:07 João Oliveira
Impecável. Bem esgalhado.