por Redação MundoMais
Terça-feira, 14 de Maio de 2019
A Defensoria Pública de São Paulo, por meio de seu Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial, obteve uma decisão liminar que obriga a Rede Globo a veicular duas vezes materiais com conteúdo sobre transexualidade masculina. A determinação é uma forma de reparo (espécie de direito de resposta) a uma reportagem transmitida em fevereiro no programa Fantástico.
Na época, o programa noticiou a morte de um homem trans (reveja matéria AQUI), apontando-o como uma mulher que se passava por homem. A matéria problematizava a morte de Lourival Bezerra, cujo corpo não podia ser enterrado porque seu nome não estava em consonância com seu sexo biológico.
Entidades que atuam na defesa dos direitos LGBTQI+ procuraram o Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria, que estudou o caso e propôs uma ação civil pública contra a emissora. A ação argumenta que houve transfobia e desrespeito à dignidade e às pessoas trans, porque a reportagem teria colocado o homem como “uma pessoa farsante”, que teria se valido de uma outra identidade ilegítima para ludibriar terceiros, invisibilizar a identidade trans do personagem retratado.
“Ao abordar a divergência constatada entre a identidade de gênero exercida por Lourival ao longo de sua vida (masculina) e o gênero designado compulsoriamente quando do seu nascimento (feminino) sem considerar a sua transexualidade, a matéria contribuiu para reforçar e reproduzir um conjunto de preconceitos errôneos e estereótipos negativos a respeito das pessoas transgênero, os quais são ampla e reiteradamente mobilizados para instruir práticas discriminatórias que resultam em situações de violação de direitos fundamentais e, portanto, impedem o gozo pleno da cidadania por esse grupo”, afirmam a Defensora Pública Heloisa Isadora Brandão Araujo da Silva e o Defensor Vinicius Conceição Silva Silva, Coordenadores do Núcleo.
Em sua decisão, a Juíza Jane Franco Martins, da 40ª Vara Cível de São Paulo, entendeu que a reportagem mostrou claro desrespeito à identidade de gênero exercida por Lourival Bezerra ao longo de sua vida. “Mostra-se, assim, que a empresa-ré optou por uma abordagem sensacionalista, implicando em invisibilizar a identidade transmasculina de Lourival Bezerra através da ênfase conferida ao seu sexo biológico como se este constituísse a sua identidade ‘original’, em contraposição a uma identidade ‘falsa’, sugerindo-se que ela teria sido artificialmente forjada para eventualmente atingir ‘finalidades ilegais’, afirmou.
Ela determinou que a empresa promova a exibição de programação com conteúdo voltado à transexualidade masculina, durante 2 domingos consecutivos, no mesmo programa e no mesmo tempo da reportagem em questão. Segundo os termos da decisão, o conteúdo da programação a ser veiculado deve ser definido em comum acordo com a Defensoria Pública e as entidades que fizeram a representação à instituição.
Para além da decisão liminar, a ação civil pública – cujo mérito ainda será julgado – também pede a indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão.
Seis meses após sua morte, a justiça de Campo Grande (MS) determinou que o corpo de Lourival Bezerra de Sá, pode ser sepultado com sua identidade masculina, usada por ele há mais de 40 anos.
O pedido, apresentado pela cuidadora e pelo filho da vítima à Defensoria Pública em Campo Grande foi acolhido pelo juiz Carlos Alberte Garcete de Almeida, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, em 12 de março.
Na decisão, o magistrado observa que “não há dúvida sobre a identidade de gênero da pessoa de Lourival Bezerra de Sá que, como tal, é reconhecido por todos, há mais de 40 anos”.