por Redação MundoMais
Segunda-feira, 18 de Maio de 2020
Desde o primeiro momento em que começa a falar sobre sua luta em favor da comunidade LGBTI, o celular do delegado de polícia Mário Leony não para de tocar. Entre uma ligação de uma amiga, de um conhecido e de um colega de trabalho, de repente aparece uma mensagem que o faz interromper a conversa. Sua expressão facial denota preocupação. “Um transexual precisa de ajuda. Seu companheiro foi preso”, comenta com um olhar no vazio, como se estivesse procurando uma rápida solução para o que aconteceu.
Em seguida retoma a conversa com a tranquilidade típica do profissional acostumado a resolver os problemas alheios e presenciar todos os dias a violência em sua forma mais cruel, gratuita e sangrenta. Como qualquer outro delegado de polícia no Brasil, sua principal tarefa consiste em cuidar de pessoas vítimas de estupros, roubos, furtos e assassinatos. Trabalha em Aracaju, uma cidade em expansão, capital de Sergipe. Com população estimada em mais de 2,2 milhões de habitantes em 2019, o menor Estado da República Federativa do Brasil se tornou um dos mais violentos do país, de acordo com o Fórum de Segurança, uma ONG dedicada à pesquisa sobre segurança pública.
Nos últimos dois meses, a tensão aumentou em todo o país. O rápido crescimento dos infectados e mortos pela covid-19 deixou muitas pessoas na comunidade LGBTI ainda mais vulneráveis. “Estamos muito alarmados com tudo o que está acontecendo. Apesar da situação de confinamento parcial, conseguimos reunir algumas pessoas e associações para levar ajuda material e psicológica, principalmente para os travestis que exercem a prostituição”, explica Leony, demonstrando preocupação com a rápida disseminação do vírus.
Além de realizar seu trabalho diário, Leony milita no PSOL, partido político pelo qual se candidatou a deputado federal em 2018, atende seu marido e seus inseparáveis animais de estimação. Mas, acima de tudo, dedica mais da metade de seu tempo a defender os direitos da comunidade LGBTI, solucionar crimes, apoiar associações e até proteger parentes de vítimas de homofobia e transfobia.
Ser gay e membro da corporação da polícia ainda implica uma contradição neste país. Para boa parte dos brasileiros, um policial tem que ser heterossexual, linha dura e, sempre que a ocasião requerer, agir com um toque de violência. Esses estereótipos, bastante enraizados na sociedade, estão sendo rompidos pouco a pouco por iniciativas individuais e coletivas.
“Resistir e resistir. Nossa luta não para por aqui. Não podemos baixar a guarda. Daqui em diante, essa palavra deve ser incorporada à nossa luta diária”, afirma o incansável delegado.
O grupo de teatro da guarda municipal da cidade de Aracaju se prepara antes de uma encenação sobre prevenção da violência e da discriminação.