por Redação MundoMais
Terça-feira, 07 de Dezembro de 2021
A trajetória profissional de Pisci Bruja Garcia de Oliveira começou nas áreas de humanidades — ela é formada em Ciências Sociais, passou pela Sorbonne, em Paris, e se tornou mestre em Antropologia Social. O que ela não imaginava quando começou a graduação na Unicamp (Universidade de Campinas) em 2009 é que anos depois estaria trabalhando na área da saúde, como pesquisadora do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
O ponto de virada da carreira foi um diagnóstico positivo para HIV, aos 24 anos: "Meu diagnóstico me transformou, transformou minhas perspectivas. Se antes eu queria ser diplomata, me vi mergulhada nas questões de saúde e nas disputas que a gente precisa enfrentar para ter acesso a tratamento no sistema público."
Em entrevista por telefone, de uma das salas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, onde trabalha, a pesquisadora de 33 anos fala sobre a ausência de pessoas trans como ela na medicina e de sua trajetória até o posto que ocupa hoje, realizando pesquisas e projetos que ajudem a aproximar especialmente pessoas negras e transgênero do sistema público de saúde.
"Meu processo de adoecimento foi muito rápido. Mesmo quando a medicação segurou o avanço da AIDS, tive um adoecimento mental. Demorei uns três anos para conseguir realmente desenvolver uma qualidade de vida e isso só foi possível porque eu me conectei com outras pessoas que vivem com HIV e AIDS — pessoas que falavam sobre a sua sorologia, rompiam com o silêncio", lembra.
Assim, Pisci criou, junto com outras pessoas vivendo com o mesmo diagnóstico, o coletivo Loka de Efavirenz, grupo que produz performances, intervenções artísticas, artigos acadêmicos e projetos de políticas públicas em parceria com a vereadora Carolina Iara (PSOL-SP), que também é parte do coletivo.
"Quando a gente rompe o silêncio, muita coisa acontece: a gente fica suscetível a uma série de violências, mas se isso é feito em espaços seguros, conseguimos criar conexões e redes de apoio que, para mim, foram muito importantes para me sentir bem, encontrar paz, ressignificar o estigma que eu mesma carregava sobre HIV e AIDS", conta.
No mestrado em Antropologia Social, que concluiu há uma semana, Pisci Bruja estudou a criminalização da transmissão do HIV — o que, ela diz, ajudou a validar o conhecimento que ela e os colegas produzem há alguns anos no coletivo Loka de Efavirenz.
Agora, ela trabalha na Faculdade de Medicina da USP elaborando estratégias para aproximar pessoas trans e racializadas do SUS e participando de pesquisas sobre a vacina e a cura do HIV.
Para isso, pesquisadores tentam identificar o vírus que está inativo no corpo para tentar bloqueá-lo dentro da célula, por meio de uma técnica chamada em inglês de block and lock, com uso de uma medicação que não é contínua. Hoje, para controlar o vírus, é preciso fazer uso constante e rigoroso dos antirretrovirais. Há, ainda, uma outra pesquisa que busca a cura definitiva, usando técnicas de engenharia genética para tentar eliminar o HIV do genoma humano.
O papel de Pisci Bruja neste processo, como antropóloga, é tentar entender como a comunidade percebe a possibilidade de uma cura definitiva para o vírus.
"Estou desenvolvendo um estudo de percepção da cura do HIV entre pessoas trans, travestis e negras através de uma residência artística. Muita gente sonha muito com essa cura, mas, para nós, pessoas que vivem com HIV e AIDS, essa é uma possibilidade ainda muito distante, utópica até", fala.