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Brasil conta com único coral LGBTQIA+ da América Latina

Com sede em SP, Coral Câmara LGBTQIA+ Brasil pensa expressão artística com inclusão e possibilita que a comunidade tenha contato com a própria pluralidade.

por Redação MundoMais

Sexta-feira, 13 de Maio de 2022

Às noites de segunda-feira, a zona oeste de São Paulo vira o destino de para receber 50 pessoas que formam o Coral Câmara LGBTQIA+ Brasil – considerado o único coral LGBT em atuação atualmente na América Latina. Das oito da noite até às nove e quarenta e cinco, o teatro do Espaço Ao Cubo é preenchido por um ensaio de muitas vozes, acordes de piano, aquecimento vocal e muito riso ao longo do processo.

A configuração de pessoas enfileiradas com pastas pretas na mão é substituída por cadeiras posicionadas em semicírculo em cima do palco italiano. As vozes do coro são formadas por um leque expansivo que vai do homem gay até a mulher trans. As vozes são direcionadas ao centro, onde ficam posicionados Ettore Veríssimo, maestro e idealizador do coral, e Gabriel Fabbri, maestro assistente, arranjador e pianista.

Basta alguns minutos de ensaio para perceber que a rigidez que sustenta a imagem do que é um coral no imaginário popular cai por terra. As barreiras entre o que é feminino e o que é masculino não existem, e as vozes têm liberdade para se expressarem independente de gênero. O tom de cada um (ou naipe, para usar o termo técnico) é o que importa para que as apresentações funcionem.

“Sempre tive vontade de contribuir de alguma maneira para a comunidade LGBT, porque a gente tem dificuldade de acesso e formação. Tenho esperança de que dessa forma possamos contribuir com o país. O coral ensina muito; não só musicalmente, mas mostra para a comunidade uma forma de se conhecer melhor”, afirma Ettore, resumindo as intenções que teve ao criar o coral.

Gabriel afirma essa reformulação de estrutura como algo que é, ao mesmo tempo, legal e desafiador. “É um grande desafio fazer com que essas pessoas se sintam possíveis dentro de um ambiente seguro, principalmente travestis e trans, que são pessoas muito marginalizadas e hostilizadas – dentro até do próprio meio. Nosso primeiro cuidado é que essas pessoas sejam inseridas de forma organizada e que não haja preconceito entre os meios”, acrescenta o pianista.

Para Péricles Martins, coralista e diretor cênico do Coral Câmara LGBTQIA+ Brasil, não é que o formato habitual do coral deva ser menosprezado; mas buscar novas configurações e possibilidades de formações pode cumprir um importante papel subversivo. “Sinto que a configuração habitual é muito quadradinha. A gente tem que entender o que é essa diversidade que a gente fala tanto. É uma proposta para que a subversão esteja presente ao ocuparmos espaços públicos”, indica.

O acolhimento é o pilar mais importante para que o coral possa funcionar. Para participar não é preciso pagar, ter formação musical ou experiência prévia com canto – o mesmo vale para quem quer assistir, já que todos os ensaios são abertos e gratuitos. Quem quer ser um coralista basta preencher um formulário online e comparecer ao ensaio. Só esse ano, 120 inscrições foram recebidas. A facilidade não atrai somente pessoas LGBTQIA+ de todas as idades, mas também pessoas heterossexuais e mesmo de outros países – Péricles fala de um casal suíço que vem ao Brasil anualmente e sempre reserva um tempo para participar dos ensaios.

O Coral Câmara LGBTQIA+ Brasil foi fundado por Ettore em 2017 com apoio da Câmara do Comércio de São Paulo – órgão que é homenageado no nome do grupo. A proposta não só foi bem aceita pelo órgão, mas fez a diferença para que o coral pudesse ter uma estrutura ao longo desses cinco anos: apesar de não destinar verbas públicas, a Câmara ajudou a viabilizar materiais de trabalho e espaços para os ensaios; além de auxiliar na organização e na inscrição do grupo para apresentações.

Desde então, a sede dos ensaios passou por diversas casas, como o SP Escola de Teatro, o Museu da Diversidade e, atualmente, o Espaço Ao Cubo, situado no número 1010 da Rua Brigadeiro Galvão, a algumas quadras do Memorial da América Latina. De lá para cá, o grupo se apresentou no metrô, em diversas paradas LGBTQIA+ no Brasil (incluindo edições virtuais durante a pandemia), festivais mundiais online e eventos com relevância social e política – um exemplo foi a Global Pride de 2020.

“Há um alcance mundial do nosso coral. Estamos inclusive negociando parcerias para conseguir realizar apresentações remotas e gravar vídeos com corais LGBTQIA+ da Espanha e dos Estados Unidos”, diz Ettore.

O título de único coral em atividade na América Latina passou a ser utilizado após a falta de resultados em busca de corais que atendessem prioritariamente o público LGBTQIA+. “Fomos pesquisar e não encontramos outro em São Paulo. Vimos um coral gay em Florianópolis, mas o site não estava atualizado, então não devem estar na ativa. Talvez exista um em Buenos Aires, mas realmente não tem nada específico como o nosso”, explica Péricles. “Não encontramos nenhum registro com o nome LGBT ou suas variáveis. A gente precisa dar nome a isso”, acrescenta Ettore.

Depois de dois anos de suspensões de atividades presenciais devido à pandemia do novo coronavírus, os ensaios presenciais voltaram a acontecer em abril de 2022. A cantora e atriz Vanessa Rodrigues, coralista desde o primeiro dia do coral e atualmente diretora de movimento do grupo, afirma que o fluxo de pessoas novas é sempre grande. “Dos que estão aqui, acho que em torno de dez pessoas estão no projeto há mais tempo”, conta à reportagem. “Tem o que chamamos de visitante: pessoas que aparecem uma vez, cantam, não aparecem mais e acabam voltando depois de três meses”, acrescenta Péricles. “Alguns momentos da vida acabam trazendo muitas dessas pessoas de volta”, coloca Vanessa.

De letrinha para letrinha

Todas as pessoas envolvidas na organização do coral são voluntárias e afirmam que, por mais que um dos objetivos centrais do coral seja a expressão artística, o grupo também é um projeto social de extrema importância. “Percebo que a comunidade LGBT é muito separada. Cada letra vive na sua bolha. Pessoas trans não tinham contato com gays e lésbicas, por exemplo. É uma das grandes possibilidades que o coral tem de integrar esses grupos e ver todo mundo interagindo e vivendo junto”, explica Ettore.

O maestro destaca a grande adesão do público LGBTQIA+ com mais de cinquenta anos, que conta com poucas opções de espaços para frequentar em que se sintam em segurança. "Tínhamos um coralista, o Marquito, que faleceu durante a pandemia e falava que o gay da terceira idade tem poucas opções de contato social. Ele dizia que amava ir ao coral para ter contato com todas as idades. Ele se sentia aceito e se sentia emocionalmente confortável para participar".

13-05-2022 às 20:36 #ForaBolsonaro
Linda iniciativa!