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Moradores de rua LGBTs: 'Fui expulso de casa aos 15 anos por ser gay'

Pessoas queer sofrem com abandono e casas de acolhimentos falam sobre dificuldades de ajudar esta população.

por Redação MundoMais

Quarta-feira, 03 de Maio de 2023

Henrique* tem 21 anos e, apesar da pouca idade, já viveu experiências que lhe demandaram maturidade e senso de sobrevivência. Vivências que muitos adultos, talvez, não conseguiriam lidar.

Aos 15 anos ele foi expulso de casa. O motivo: a LGBTfobia típica da sociedade conservadora brasileira, que faz com que um LGBT tenha sido assassinado ou cometido suicídio em 2022 a cada 34 horas, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB).

“Eu morava com a minha mãe, mas ainda não havia conversado sobre a minha sexualidade com ela. Quando decidi contar, com 15 anos, a conversa não caiu muito bem para ela e eu tive que sair de casa.”

O jovem teve que buscar ajuda no abrigo da Prefeitura em Taquara, Jacarepaguá, região onde morava na Zona Oeste da capital fluminense. Contudo, o abrigo era apenas para adolescentes, o que faria com que Henrique tivesse que procurar outro lugar para se abrigar ao atingir a maioridade.

“Próximo de completar os 18 anos eu não sabia o que fazer porque eu teria que sair do abrigo. Era desesperador, eu não tinha para onde ir. No caso, eu teria que ir para o abrigo de adultos, que era algo que eu não queria porque você vê tudo lá. Você dorme com moradores de rua, pessoas que já foram presas por homicídio, pessoas viciadas... Eu tinha receio de ir.”

Após passar um tempo na casa de uma irmã, o rapaz precisou voltar para o abrigo. Lá conheceu um homem que sugeriu que ambos dividissem um aluguel, o que Henrique aceitou. Contudo, ele não sabia que o homem era viciado em cocaína, o que fez o jovem iniciar o uso do entorpecente.

“Ele saía todo dia de manhã para trabalhar antes de eu me levantar. Um belo dia, ele nunca mais voltou. Ele estava devendo dois meses de aluguel e eu não sabia. Fiquei ainda um mês na casa, mas o senhorio ia me cobrar quase todos os dias.”

Sem condições de manter o aluguel, o jovem foi despejado da casa e mais uma vez se viu em uma situação de desamparo. Ele tentou voltar para o abrigo da Prefeitura, mas como havia saído recentemente, sua vaga não existia mais. Ele teria que passar por todo o processo de cadastramento novamente e entrar na fila mais uma vez, o que ele não estava disposto a fazer.

“Fui a um caixa eletrônico e pedi um empréstimo. Com o dinheiro do empréstimo, consegui ficar em um hotel por um mês, mas o dinheiro acabou. Mais uma vez eu não sabia muito o que fazer, até que conheci outro homem, por meio de um amigo, e decidi pedir ajuda a ele.”

Segundo Henrique, ele teria perguntado ao homem se ele conhecia alguém com quem o jovem poderia morar até resolver sua situação. Sensibilizado, o homem teria oferecido a própria casa de abrigo. Com o tempo, eles começaram a desenvolver uma relação afetiva romântica. O jovem estava com 19 anos no período.

“Fiquei cerca de cinco meses morando com ele. Depois de um tempo ele começou a perceber minhas crises de abstinência da cocaína - o que eu não tinha contato para ele - e ansiedade. ‘Henrique, olha, eu gosto muito de você, tenho um carinho enorme, mas você mentiu para mim. Quero muito ficar com você, mas você precisa se cuidar primeiro’", teria dito o homem ao jovem.

“Eu não queria voltar para o abrigo, buscamos então uma outra solução. Uma amiga de infância estava morando na Casa Dulce Seixas e me passou o contato da Shirley [a coordenadora da casa]. Isso aconteceu em 2021. Fiz uma entrevista com a Shirley e ela permitiu que eu fosse para a casa”, conta Henrique que afirma que na casa de acolhimento da Baixada Fluminense, que atende em sua maioria pessoas LGBTQIA+ , conseguiu atendimento médico para tratar de sua saúde mental.

“Aqui consegui tratamento com psicólogo e psiquiatra, estou tomando medicação. Já tive algumas recaídas, mas sinto que estou melhorando. É um processo. Eu espero terminar meus estudos e terminar meu tratamento para que eu possa encontrar um lugar para mim”, diz ele, que acrescenta. “Me atrasei na escola por conta de depressão e ansiedade . Meu sonho desde criança é me formar em veterinária".

Davlyn Lotus, a secretária geral da Casa, informa que a instituição desenvolve diversos projetos que envolvem trabalho de abrigamento, desenvolvimento profissional e assistência social.

“Temos o projeto ‘Dulcemente Acolhedora’, que é o trabalho de abrigamento de pessoas que estão em situação de rua. Estamos também iniciando um projeto chamado ‘Dulcemente Capacitadora’ com a oferta de cursos profissionalizantes. Ainda não começamos porque precisamos fazer algumas reformas, mas a ideia da primeira edição é oferecer curso de panificação”, informa a secretária.

“Também estamos criando um projeto chamado ‘Dulcemente Cultural e Literária’, que é a abertura de biblioteca comunitária, com atividades de alfabetização e acesso à leitura para a comunidade local. E temos também o ‘Dulcemente Solidária’, que é o projeto social de distribuição de cestas básicas, encaminhamento para consultas médicas na Fiocruz, e apoio jurídico também”.

Shirley acrescenta: “A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também ajuda as meninas trans que precisam de hormonização, dá apoio para as pessoas que encaminhamos e que vivem com HIV , apoio para quem toma PrEP . A instituição tem sido uma grande ajuda, fornece ainda mensalmente algumas cestas básicas.”

Com sua experiência, Eduardo avalia que há diversos motivos que fazem com que essa população em específico vá morar na rua, mas que, geralmente, têm a ver com uma migração estadual e LGBTfobia.

“Nosso maior público de atendimento são as pessoas trans e travestis. A maioria delas vem de outros Estados para São Paulo, em busca de oportunidades de emprego e também para ‘ser quem são’. Geralmente sofreram abusos, violências, e vêm para a capital paulista na busca de realizar um sonho, mas aqui encontram toda a dificuldade”, afirma o gerente. “Temos recebido muitos jovens gays também com o mesmo relato, especialmente com violência familiar. ”

População de rua cresceu 31% em dois anos em São Paulo

Segundo o Censo da População em Situação de Rua da cidade de São Paulo, em 2019 havia 24.344 pessoas em situação de rua no município e no final de 2021, no período pandêmico, o número saltou para 31.884, um crescimento de 31%.

Uma das instituições que luta em prol deste população na capital paulista é o Centro de Referência e Defesa da Diversidade Brunna Valin (CRD), que recebeu o nome da ativista dos direitos trans e referência na luta contra HIV/Aids após a morte da mesma, em junho de 2020.

“O Centro de Referência foi criado há 14 anos devido ao trabalho que o Grupo Pela Vidda fazia, que era um trabalho de prevenção e de acolhimento de pessoas que viviam com HIV, especialmente na região central de São Paulo”, diz Eduardo Barbosa, vice-presidente do Grupo Pela Vidda/SP e gerente do CRD.

“No trabalho de prevenção, com as entregas de camisinhas, de gel lubrificante e orientação, percebeu-se que havia uma dificuldade das pessoas em vulnerabilidade, como os moradores de rua e profissionais do sexo, de aceitarem os métodos. Com isso, o CRD foi criado para que houvesse um trabalho de conscientização, a partir de uma perspectiva da assistência social.”

Eduardo afirma que hoje há no Centro “um cadastro de cerca de 6 mil pessoas” e que “mensalmente atendemos cerca de 500 a 600 pessoas, com mais de 2 mil tipos de atendimentos”.

O gerente explica que o trabalho do grupo consiste em fazer uma “busca ativa nas ruas, especialmente com a população LGBT+” e encaminhá-las para os serviços que o Centro fornece.

“Temos uma equipe que conta com profissionais da psicologia, assistência social, advocacia e pedagogia, que acolhe essa população que vem da rua”, conta Eduardo, que acrescenta: “Fazemos uma primeira abordagem, um cadastro, e a depender de cada caso, fazemos um acompanhamento. Construímos um ‘plano individual de atendimento’, a partir da lógica da assistência social, para questões de curto, médio e longo prazo."

05-05-2023 às 11:37 Allan
Por isso que conhecimento jurídico é importante. Ele teria direito a pensão e inclusive, poderia processar a mãe. As gays precisam conhecer seus direitos quando menores de idade ou que estão cursando faculdade até os 24 anos.
05-05-2023 às 02:18 Jorge - Carapicuiba-SP
Esse relato é bem parecido com que foi vivido pela nossa Deputada Federal Érica Hilton. Mãe e Pai é para sempre, mas algumas pessoas não entederam isso, a vida dá voltas e essa mãe que abandou o filho adolescente o encontrará algum dia, espero que ele esteja bem em todos os sentidos para acolher e mostrar o que amor verdadeiro.
03-05-2023 às 23:22 Tatu
Muito triste isso.....................Em fim.....................Sorte!!!!