por Redação MundoMais
Quarta-feira, 09 de Julho de 2025
Apesar de avanços na visibilidade e nos direitos da população LGBT+, a violência — agora mais digital e muitas vezes perpetrada por pessoas próximas — segue alarmante. Redes sociais se tornaram arenas tóxicas, saturadas de desinformação e discursos de ódio.
Mas o que fazer quando o agressor não é um perfil anônimo, e sim um familiar, um amigo ou um vizinho? Essa é a pergunta central da pesquisa Explana 2.0, que investigou como pessoas LGBTI+ em favelas e periferias do Rio de Janeiro lidam com essas violências cotidianas.
A iniciativa é uma parceria entre o data_labe e o Intervozes, financiada por emenda parlamentar do ex-deputado David Miranda, morto em 2023. Entre julho e agosto de 2024, 129 pessoas responderam a um questionário, enquanto outras 43 participaram de cinco grupos focais distribuídos na Maré, Japeri, Ilha do Governador, Belford Roxo e Petrópolis. Dos participantes, 60,5% são pessoas negras, 43,7% têm entre 25 e 34 anos e 14,3% são trans e não-binárias.
A pesquisa evidencia que as redes não são espaços apartados da “vida real”. Elas apenas reproduzem — e ampliam — as desigualdades, o conservadorismo e a desinformação já presentes nos territórios. Quando o discurso de ódio vem de pessoas conhecidas, o impacto emocional é devastador. Não há respostas fáceis: ações individuais, como denúncias e bloqueios, são insuficientes. Só o fortalecimento de coletivos, políticas públicas e redes de apoio pode abrir caminho para soluções de longo prazo.
O ódio digital que vem de dentro
A pesquisa revela que 93,9% dos participantes já tiveram contato com discursos de ódio ou desinformação. Mais da metade (55%) relatou sentir-se profundamente afetada por essas experiências. Em 53,5% dos casos, o conteúdo violento foi disseminado por pessoas próximas, expondo o peso de enfrentar o ódio vindo de dentro de círculos familiares e comunitários.
Os ataques diretos atingem 31,8% dos entrevistados. Além de páginas online regionalizadas, que reproduzem as tensões locais, a proximidade com os autores do discurso de ódio agrava o impacto psicológico, deixando claro que as violências digitais não se restringem às telas: elas se somatizam nos corpos e na psique das vítimas.
Nos grupos focais, houve consenso de que a desinformação alimenta o discurso de ódio. Mas nem todos os propagadores são vítimas de fake news: há os que, deliberadamente, manipulam narrativas para justificar ataques.
Essa violência se espalha tanto em perfis reais quanto em contas falsas, muitas vezes impulsionadas por Inteligência Artificial para amplificar o alcance dos conteúdos tóxicos.
Quando o inimigo tem nome e rosto
Mesmo com filtros e bloqueios, muitos continuam expostos ao ódio vindo de pessoas próximas. Parentes e amigos replicam conteúdos violentos, inclusive via WhatsApp. Segundo o levantamento, 35,4% dos participantes identificaram que os propagadores de violência vivem nos mesmos territórios.
Diante dessa realidade, surgem diferentes estratégias: uns denunciam e bloqueiam os agressores; outros tentam dialogar, oferecendo contexto e informações. Há ainda quem prefira se calar, mas isso não significa imunidade: a repulsa e o esgotamento emocional persistem.
Alguns relataram que, ao reagirem, foram eles próprios bloqueados ou até tiveram suas contas derrubadas após campanhas de denúncias falsas organizadas por redes de perfis violentos.
Plataformas omissas e a fuga das redes
Outro dado alarmante: metade dos participantes considera que as plataformas digitais não punem os autores de conteúdos violentos, mesmo após denúncias. Essa sensação de impunidade leva muitos a abandonar as redes, como forma de autoproteção.
Resistências que brotam
Se, por um lado, parte da violência vem de pessoas próximas, por outro, os territórios também podem oferecer proteção. Na Maré, por exemplo, a organização comunitária — liderada por mulheres trans, travestis e profissionais do sexo — criou uma rede de apoio sólida. Em Japeri, a ancestralidade fortalece o coletivo LGBT+ local, que funciona como espaço de acolhimento.
Já na Ilha do Governador e em Belford Roxo, a falta de mobilização e baixa conectividade dificultam a reação aos ataques. Em Petrópolis, um grupo jovem tem encontrado no ambiente digital seu espaço de resistência.
Onde faltam coletivos e organizações civis, a desinformação e o discurso de ódio tendem a ser naturalizados, sem contraponto visível. A experiência de Japeri mostra o potencial transformador de movimentos organizados.
* Fonte: Terra