por Redação MundoMais
Sexta-feira, 16 de Fevereiro de 2018
Na colação de grau da Escola Politécnica da USP, os olhares não estavam direcionados somente a filhos ou netos queridos em seu momento gratificante. O centro das atenções também era Ivan de Palma, em cima do salto alto e com a peruca bufante. O estudante de 24 anos decidiu ir à formatura montado de drag queen.
Também conhecido como Ivanka Tramp, seu nome de drag queen , Ivan se formou em Engenharia Química e se identifica como homem gay cisgênero. Em entrevista , ele conta que ajudou a formar o coletivo LGBT da Poli em 2012, a Frente PoliPride, que se tornou um elementos importante na luta pela equidade no ambiente da universidade. “Com chave de ouro”, ele decidiu se formar com muito glamour e impacto.
Para ele, ter se montado foi "com certeza uma atitude de protesto", em pleno ano de eleição. “Fui montado de drag queen à formatura porque achei que traria mais visibilidade à causa, retificaria estereótipos e faria com que muitos estudantes se sentissem mais confortáveis em suas próprias peles.”
Ivan reconhece que tirou inspiração da cultura gay que faz parte do seu cotidiano. Sua drag mother, pessoa experiente que ensina e repassa conhecimentos de ‘montação’ quase como uma mãe, foi Malonna. Ela tem uma oficina para drags iniciantes e montou o estudante no dia de sua formatura.
O recém-formado afirma que também tirou coragem para se montar no dia tão esperado graças um amigo que fez o mesmo na formatura do ITA, em 2016, e que foi duramente perseguido durante sua graduação.
Em uma universidade conhecida de outros tempos por ser conservadora, Ivan subiu no salto e teve uma reação positiva das pessoas. “A experiência foi muito melhor do que eu pensava, todos me receberam muito bem. Foram apenas elogios vindos de alunos, pais, professores e funcionários”, comenta. Ele não quis se pronunciar a respeito da própria família.
No entanto, o caso ganhou repercussão e algumas opiniões negativas surgiram. Na página "Desabafa Poli" no Facebook, que compartilha opiniões enviadas anonimamente, uma postagem acusou Ivan de desrespeito por se “fantasiar de mulher” e por “reduzir a formatura a um bloco de carnaval”.
Ele diz que não foi surpresa esse tipo de comentário e os classificou até mesmo como sutil, já que “o pessoal conservador sabe que deixou de ser maioria e que suas vozes perderam força”.
Nem sempre a faculdade foi um ambiente aberto pessoas de diferente orientações sexuais e gêneros, segundo o novo engenheiro. “Eu entrei em 2012, quando a Escola Politécnica não era um ambiente confortável para pessoas LGBT. Era tabu e causava desconforto”, afirma Ivan.
No ano seguinte, foi um dos responsáveis por fundar o coletivo de diversidade sexual e de gênero da Escola, o PoliPride. Aos poucos, o grupo ganhou caráter político e o objetivo de trazer a temática do respeito e da diversidade para a Poli. Ele relata que, por estar constantemente exposto, já sofreu discriminação e ouviu agressões em festas.
Para ele, “as coisas melhoraram muito” desde então. O coletivo passou a receber bastante atenção e reconhecimento, não só por parte da universidade, mas também de instituições externas. O ambiente se tornou muito mais agradável e o amor de diferentes formas pôde ser abraçado.
“A Poli é hoje um ambiente mais inclusivo”, comemora, mas manifesta preocupação: “é importante ressaltar ainda que, além das melhorias na Poli, é preciso chegar na periferia, onde estão as LGBTs que mais precisam de apoio”.
Apesar de alguns avanços e da reação positiva a uma drag na formatura da Poli, Ivan reforça que o Brasil ainda precisa amadurecer em questões LGBT. “O país ainda é muito conservador no que diz respeito à questão da diversidade sexual e de gênero”, afirma Ivan. Brasil é o país que mais mata transgêneros do mundo, segundo dados do Grupo Gay da Bahia.
Já o cenário drag queen sempre foi uma subcultura, mas vem sendo popularizado pela mídia e por realities show, como "Rupaul’s Drag Race". De acordo com Ivan, a série ganhou destaque aqui no Brasil, fazendo a cultura drag "ganhar novos adeptos".